63 - AQUI ME MATO, AQUI TE MATAREMOS



A aldeia toda juntou-se no centro da praça de Lavinhos. Os aldeões clamavam e gritavam por justiça ao mesmo tempo que uma dor lancinante os incapacitava. Lucas pastor amparava e mostrava, com o orgulho estampado no rosto, várias relíquias ensanguentadas. Entretinha-se a balançar, sorridente, os membros decepados das vítimas, dois braços e uma perna, de um lado para o outro, partes importantíssimas das bonecas-puta, malditas mulheres velhacas, tão cínicas… Quem as terá mandado subir a serra à sua procura?
- A culpa foi toda delas, as putas mostraram-me os seios esbeltos e fartos de mulheres sôfregas, umas meretrizes espantosas que me entretive a desembrulhar,… afinal de contas sou homem, não sou bicho. Depois amei-as como nunca tinham sido amadas, mas elas continuaram indiferentes de olhos muito abertos sepultados em mim. Servi-lhes de seguida um espetáculo digno de verdadeiras rainhas, um belo e bonito espetáculo, mas a vaidade das mulheres-puta não se derreteu com facilidade. Decidi desdentá-las, com a tesoura bem afiada tosqueei-lhes os cabelos e cortei-lhes as carnes brancas com cortes limpos e muito caprichosos. Um bom corte no corpo de uma mulher-puta só lhe fica bem, a sua figura ganha uma tonalidade mais alegre e colorida…
Porque ousou o homem-louco trazer consigo, embrulhados num xaile negro, pedaços decepados das raparigas? Meteu-se a caminho, cheio de pressa, cheio de vontade de comunicar a Lavinhos inteira o seu ilustre pecado.
A loucura transbordou para os pais, para os irmãos e para os maridos das vítimas. Os homens apoderaram-se de Lucas pastor e nele introduziram dezenas de punhais e facas reluzentes como quem estripa um porco no dia da matança. O chão negro recebeu o ouro rubro do tresloucado, e um bonito rio de sangue desfilou até aquecer os joelhos cansados das anciãs.

 Os ajudantes da matança não conseguiam parar de desferir golpes no corpo já cadáver de Lucas pastor.
O cheiro a morte tresandava, as gentes de Lavinhos estavam visivelmente transtornadas com o acontecimento, algumas velhas arrancavam os cabelos e abraçavam-se, incrédulas, com aquele cheiro entranhado na alma.
O criado do demónio já não existia. Num burburinho tão confuso quanto mórbido, os homens que o mataram retalharam o corpo de Lucas e enfiaram os pedaços em quatro sacas velhas de serapilheira às quais depois lançaram fogo.
Assim viveu Lavinhos o pior dos seus dias.
Assim sobreviveu Lavinhos ao pior dos seus dias, mas na aldeia ainda hoje se escutam os gritos das jovens moribundas, descalças, despidas, preparadas para a derradeira dança que lhes foi servida no alto dos montes pelo monstruoso Lucas pastor.

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