40 - AS VAGAS SÃO DOURADAS EM LAVINHOS
O pesadelo de
Perpétuo cabia entre as quatro paredes do quarto, e ele resolveu enfrentá-lo.
Fechou a boca como quem vai mergulhar de medo na onda mais alta que não queria
ver. Fechou os olhos antes de engolir o ar que persistiu em não lhe chegar aos
pulmões, encolheu-se depois dentro dos lençóis da cama onde o resto da ilusão marítima
o obstinou num ciclone de emoções. Insistiu na luta e voltou a mergulhar, e a
tentativa pô-lo frente a frente com nova vaga ameaçadora. A morte também o
podia engolir, esse era um sonho novo que era tudo o que ele não queria conhecer.
O peso desconforme da vaga tornava-lhe a forma gigantesca, semelhante à serra
que envolve Lavinhos, e uma espécie de boca enorme abria e fechava-se à sua
frente. Perpétuo mostrou-lhe as mãos cerradas, os dois punhos apertados
voltados para a loucura que era este seu sonho que ameaçava fazê-lo em
farrapos.
Debaixo dos
lençóis antes tudo estava no seu lugar.
De repente, a
coisa tão simples que era a sua vida eterna viu-se transfigurada nesta outra coisa
em que menino não queria acreditar.
A onda escura e
tenebrosa tingiu-se de dourado ao atingir o menino poeta, que logo engoliu, e
ele rodopiou nas águas agitadas de olhos, boca e punhos cerrados a tentar desfazer-se
daquele monstro imenso que o pegou vindo do nada. O poeta irrompeu por entre a
espuma e aproveitou para respirar. A pausa foi curta, a onda poderosa logo
recomeçou a centrifugação.
Houve um não
sei quê de monstruoso naquela luta exercitada debaixo dos lençóis da cama
oceano que lhe ia bebendo as lágrimas e escutando os seus gritos mudos. Houve
um não sei que durou a noite inteira, que durou o tempo necessário para o poeta
conseguir escapar com vida à vaga imensa. Depois de sacudir a água, o sal e a
areia do corpo, sem soltar uma única palavra, sem esboçar outro grito, o menino
poeta arriscou dar tréguas à sua aflição, e passou a exprimir-se nas paredes do
quarto para amenizar. Quanto mais a dor se torcia nele, mais esfuracava a parede
de xisto que irrompia, negra, pelos intervalos abertos em crateras de estúpidos
vulcões. Mais e mais fundo, escavou a desgraça e o medo todo ali mesmo,
raspando a caliça seca, raspando a dor que nenhum sonho bonito poderia voltar a
compôr.
- O que tu me
fizeste, sonho? Olha só o que tu me fizeste?
Comentários
Enviar um comentário