08 - SONHO ACORDADO, A DORMIR



Volto a esgaravatar na parede do meu quarto para registar o que se passou ontem de madrugada. Escutei uma espécie de sinal sonoro, semelhante a uma sirene, a descer da serrania ao mesmo tempo que o sino da igreja avisava que já não era hora para passeios. A aldeia dormia, nós éramos irmão e irmã, perseguidor e fugitiva, e depressa tudo deixou de fazer sentido.
Quando cheguei àquele lugar senti-me perdido. Lembrei-me de me agarrar aos silêncios que por lá habitavam e sentei-me ao acaso na primeira pedra que encontrei, de pernas e braços cruzados, de costas para a serra que deixei de conhecer. A paisagem inteira tinha-se transformado. Permaneci assim, imóvel, durante muito tempo, depois decidi levantar-me para olhar ao meu redor. Foi então que tudo ficou muito mais confuso. De todos os lugares à minha volta começaram a surgir dezenas de “pessoas da lua”. Eram seres idênticos a nós, mas não exatamente iguais, e é difícil explicar quais eram essas diferenças. Aproximaram-se de mim e inclinaram as suas grandes cabeças dando-me as boas-vindas. Eu deixei-me arrastar por eles o resto da noite. Os “estrangeiros” avançaram rapidamente pelo bosque, e continuavam virados para mim a apontarem para a lua cheia de dezembro. Eu não entendi como era possível a noite ter tanta luz e tanto brilho. Tentei cheirá-los, e às estranhas roupas metálicas que eles vestiam, e foi nessa altura que um vento forte começou a soprar na nossa direção.
Esgaravato na parede esbranquiçada do meu quarto, a caliça torna-se livre mas depressa fica prisioneira do soalho. O pequeno buraco que abri no seu lugar conta uma pequena parte da história. Aqueles estranhíssimos “estrangeiros”, mudos e sorridentes, deram-me as mãos de dedos longos e frios e levaram-me na direção da lua brilhante. Deixei de ver, a luz intensa encandeava-me. Fiquei totalmente cego por instantes, talvez dois ou três minutos, a escuridão tomou conta do lugar.
Passou muito tempo até eu ter conseguido recuperar a visão. Foi só então que percebi o sítio onde os “estrangeiros” me tinham deixado. Não sentia frio nem calor, não percebia que lugar era aquele, e depois percebi. Os “estrangeiros” tinham-me trazido de volta a casa, deitaram-me na minha cama e taparam-me todo com estas mantas ásperas e pesadas. Levaram a Marília com eles, eu sei disso porque fui ver se ela estava a dormir, e o quarto dela estava todo desalinhado.
 

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