07 - VOLTEI A TER MEDO DE MORRER



Tento acalmar-me antes de falar do assunto ao Toninho Faneca, talvez fosse melhor guardar segredo, mas eu rebento se não lhe der a conhecer aquilo que vi e o que escutei.
- Vou contar-te uma coisa muito, muito importante, Toninho, mas tens de ser capaz de guardar segredo. Olha que se deres com a língua nos dentes ninguém vai acreditar em ti, e vais passar por aldrabão. Antes de te contar o que se passou, tens de prometer ficar de bico calado!
O Toninho abriu muito os seus grandes olhos castanhos antes de acenar com a cabeça afirmativamente. O seu bonito sorriso confirma que está pronto para escutar a notícia, mesmo que ela seja uma aldrabice pegada, mais uma gigantesca invenção idealizada por mim. O Toninho não quer saber da verdade, isso é o que menos importa, só quer que eu lhe conte outra aventura bombástica com imensos detalhes mirabolantes. Só que desta vez a verdade supera largamente as histórias idiotas que até hoje eu lhe contei.
- Tu nem vais acreditar no que te vou dizer, mas desta vez Toninho, desta vez é mesmo verdade, é tudo verdade!
Puxo a grande boina de feltro para cima da testa na tentativa de ganhar coragem, e pigarro duas vezes antes de iniciar o discurso.
- Ontem à noitinha, já muito depois da hora da janta, a Marília saiu de casa a correr e regressou ao bosque por um novo atalho. Sabes onde fica a casa do Chico, perto do ramal que vai dar ao campo da bola? Desces por uma ladeirita que parece ter uns degraus, antes do olival da Hortense Careca, e vais por aí abaixo até passares as oliveiras todas, mesmo até lá ao fundo, quase até ao caminho por onde o pastor Raúl leva as cabras a pastar. Eu sei porque desta vez a minha irmã não correu muito depressa, até parecia que me estava a ver, até parecia que queria que eu a conseguisse apanhar.
- Se a Marília te visse dava-te mas era um murro no focinho… ou não te lembras daquela vez que andámos a correr atrás dela. Ia-me cagando de medo quando ela levantou aquela manápula para nos bater… - interrompeu o Toninho antes de eu continuar:
- Pois… mas ontem foi diferente, senti a noite estranha, a montanha estava estranhamente iluminada, cheirava a cinza e a fumo e a um outro odor intenso que não sei explicar, e os sons que de lá desciam eram esquisitos. Ontem não foi uma noite igual às outras, Toninho, o nosso bosque estava alterado, nem parecia o mesmo. Eu olhei para trás, tentei encontrar a aldeia, ao longe, e ela tinha desaparecido. Depois parei, olhei à volta para todo o lado, à procura da Marília. Nunca mais a vi. Corri como um doido, andei por ali perdido mais de uma hora até os lobos pararem de uivar, e o mais estranho ainda estava para acontecer.
Agora os olhos do Toninho estão do tamanho de faróis, as orelhas a ficar bicudas para melhor escutarem a aventura, e o sorriso deixou de brilhar na sua cara sardenta.
- Foi então que aquilo começou a acontecer. O vento deixou de soprar, as nuvens pararam no ar e no meio delas apareceu um aparelho voador em forma de funil que começou a rodopiar mesmo por cima da minha cabeça. A coisa metálica não fazia barulho nenhum a rodar lá no alto como um pião …. a lua aumentou de tamanho e estava decorada com umas pintinhas azuis muito brilhantes que piscavam enquanto o funil girava. Eu não acreditava no que se estava a passar, só sei que estava borrado de medo… aquilo era tudo tão impressionante que eu não sabia o que fazer. O chão perto de mim começou a tremer e eu senti um formigueiro nos pés que subiu pelas pernas acima. Foi por essa altura que eu me devo ter mijado todo. Toninho…, ai de ti se deres com a língua nos dentes acerca deste assunto! Depois sentei-me num pequeno tronco de árvore porque a terra não parava de tremer. A lua tornou-se ainda mais brilhante, e foi então que eu vi um fino feixe de luz a sair pelo tubo do funil voador. Ficou frio de repente, um frio tão intenso que eu fiquei gelado e a tremer. O céu estava carregado de nuvens amarelas e alaranjadas, e brilhavam tanto que julguei que o dia tinha nascido antes do sol aparecer. Fiquei apavorado e com as ceroulas ensopadas de mijo. Tentei sair dali, a recuar, devagarinho, mas as pernas não me obedeceram, pesavam tanto que nem as conseguia mexer. Se tu ao menos pudesses ter visto o mesmo que eu vi com os teus olhos, Toninho! Não imaginas o quanto eu desejei que tu pudesses lá ter estado a assistir ao fenómeno. Foi tudo muito estranho, nunca vi nada assim, nem mesmo nos meus sonhos mais malucos, e tu bem sabes a quantidade de sonhos estranhos que eu costumo ter, é por causa deles que eu tenho sempre tantas histórias para contar, mas desta vez… desta vez tudo o que eu te disse aconteceu mesmo de verdade.
- E a Marília? A tua irmã já apareceu? – pergunta-me o Toninho com um ar muito aflito.
- Ainda não. Mas eu sei muito bem onde é que ela está.
O miúdo ficou branco com a minha resposta, e agora olha para mim como um perfeito maluquinho.
- Eu sei que foi o mocho alienígena quem ontem a levou para dentro do funil voador. Aquele pássaro de olhos pretos esbugalhados sempre me meteu medo, Toninho, ele sabe bem o quanto me assusta. Tenho quase a certeza que foi ele quem a levou.
Fui mesmo estúpido por ontem ter voltado a sentir medo de morrer.

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