04 - ILHA DO TESOURO



As crianças não se importam de brincar à chuva e ao vento. Os elementos ajudam na edificação de aquedutos e de cascatas bravias por onde as suas pequenas embarcações improvisadas navegam à descoberta de novas paragens ou de fantásticos tesouros enterrados em ilhas remotas por piratas sanguinários.
O menino poeta decidiu pedir ajuda a Toninho Faneca para juntos encontrarem o fabuloso tesouro de Cornelius Barbudo. Deitados na lama, de barriga para baixo, os dois esquecem-se do mundo enquanto observam as suas barcaças construídas com cascas de pinheiro a avançarem, intrépidas, por águas agitadas. A nau do poeta está quase a alcançar a de Toninho Faneca, que vai sobrevivendo ao furacão com extrema dificuldade. Os barcos rodopiam com ligeireza até que embatem um contra o outro provocando um terrível naufrágio. Não fossem as mãos divinas dos meninos Adamastores, e as suas tripulações teriam morrido afogadas naquelas águas impiedosas. Com os batéis quase à deriva, os dois capitães agarram-se aos lemes dos navios para tentar manter a rota que lhes foi destinada.
O arquipélago de Santa Cecília já não está longe, isso mesmo é confirmado pela leitura do mapa secreto por eles encontrado na ilha de Las Lagrimas. Segundo reza uma lenda antiga contada pelos ilhéus, Cornelius Barbudo, talvez o mais infame e bárbaro de todos os corsários, roubou as embarcações da maioria das casas reais europeias, durante mais de década e meia. No espólio do cruel pirata encontram-se centenas de quilos de peças de ouro e muitos outros artefactos riquíssimos, alguns deles adornados com raras pedras preciosas, e é numa ilha perdida deste arquipélago que o tesouro estará enterrado.
O rosto dos exploradores, escuro como a noite, confunde-se com a roupa suja e o chão enlameado. Fazem parte do mato, do vento, da chuva, trazem os cabelos a escorrer água e lama e folhas e ramagens, mas a aventura não seria a mesma se não fosse assim.

Um mocho voa entre os tempos sem julgar ninguém. Sobrevoa as conversas dos navegantes, alheio a tudo, apesar de serem praticadas aos berros e os sete ventos não as conseguirem abafar. O pássaro chegou de muito longe, e de uma época tempo muito distante, só para os ver brincar.
As brincadeiras de todos os meninos de lama deviam ser eternizadas, passadas a património imaterial da Humanidade, como o provam as invisíveis chegadas e partidas destes pássaros alienígenas inspetores do tempo.

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